Explorando Perfect Blue

lua eslava
6 min readJun 17, 2023

“Uma das coisas que mais me interessam é a complexidade da mente humana. Em Perfect Blue, quis retratar as lutas internas da protagonista e como sua psique é afetada pelas pressões externas. Através da personagem de Mima, tentei explorar os conflitos e as contradições que todos nós enfrentamos em nossas vidas.” — Satoshi Kon

Lançado em 1997, o longa de animação Perfect Blue dirigido por Satoshi Kon, se mostra uma história emocionalmente intensa que nos leva a uma jornada pela mente de sua protagonista, explorando questões complexas, onde junto com ela mergulhamos em um enredo profundo relacionado à natureza da identidade, os perigos da obsessão e os efeitos negativos da fama.

A história de Perfect Blue gira em torno de Mima Kirigoe, uma jovem cantora pop que decide deixar sua carreira musical para se tornar uma atriz. Ela embarca em um novo projeto, um programa de TV dramático, com a esperança de estabelecer uma nova identidade artística e se afastar de sua imagem de ídolo pop.
A partir desse ponto, a linha que separa a realidade da imaginação começa a se desfazer. O decorrer dos fatos revela a luta de Mima para manter sua identidade intacta enquanto enfrenta uma série de eventos perturbadores. Essa jornada nos leva a questionar: O que constitui a identidade de uma pessoa? Como a percepção que temos de nós mesmos nos afeta?

No entanto, à medida que Mima vai vivenciando novas experiências em sua carreira como atriz, sua vida começa a se desintegrar lentamente sem que ela possa impedir. A princípio ela é confrontada com um blog chamado O Quarto de Mima, tendo pouca experiência com a internet, Mina é ajudada por sua assistente Rumi a acessar a página, as primeiras impressões de Mima a respeito de O Quarto de Mima são bem inocentes, levando a protagonista a acreditar que a pessoa por trás do blog se fazendo passar por ela, apenas a conhece muito bem, apesar do alarme vermelho já acender nesse ponto, pois as postagens mostravam lugares onde ela esteve e até coisas que comprou. E com o tempo, o que pareceu ser inocente, começa a se tornar um verdadeiro problema, onde o administrador do site se mostrar um stalker obsessivo e ameaçador que parece saber cada movimento da protagonista, conseguindo inclusive manipular a opinião pública e distorcer os fatos a respeito de Mima.

Por outro lado, Mima passa a se sentir constantemente assombrada por uma forte impressão de estar sendo perseguida. Além do blog, essa sensação é amplificada pela presença de um fã que parece estar sempre presente em todos os lugares que ela vai. Além disso, a sensação persistente de perseguição vivida por Mima também pode ser analisada à luz da teoria desenvolvida por Sigmund Freud, onde aborda a noção do “inconsciente” e como os traumas e conflitos não resolvidos podem se manifestar de maneiras desestabilizadas na mente de um indivíduo.

Outro ponto importante é a relação entre Mima e sua assistente, Rumi Hidaka, que desempenha um papel significativo na trama. Rumi é uma personagem leal e dedicada, que acompanha Mima em sua transição para a carreira de atriz. No entanto, à medida que a história se desenrola, fica claro que Rumi nutre uma obsessão doentia por Mima, e mais adiante a história nos revela que Rumi tem se passado por Mima online.

A medida que a história avança, as confusões mentais de Mima e Rumi se entrelaçam, resultando em uma narrativa ambígua e cheia de reviravoltas. O público é levado a questionar a verdadeira identidade de certos eventos e a se perguntar quem está por trás dos acontecimentos que ocorrem ao redor de Mima.

O encontro com o fã que parece estar em todos os lugares, que posteriormente tenta atacá-la, é um momento crucial em Perfect Blue, aprofundando ainda mais a angústia psicológica de Mima. Esse evento serve como um ponto de virada na narrativa, levando-a a questionar sua própria sanidade e a realidade ao seu redor. As linhas entre o mundo interno e o externo, entre o que é real e o que é ilusório, se fundem, deixando Mima e o público em um estado de suspense e inquietação.

Ao longo do anime, Mima experimenta uma realidade distorcida, onde as fronteiras entre sonho e vigília, fantasia e realidade, se tornam tênues. A realidade em Perfect Blue lembra as teorias de pensadores como René Descartes, que explorou a ideia de que a realidade externa pode ser enganosa. Como citação relevante, Descartes disse: “Cogito, ergo sum” (Penso, logo existo). Essa frase é um lembrete da importância da consciência individual e da autopercepção para a existência.

A obsessão é outro tema central em Perfect Blue, representado de forma angustiante. Conforme Mima enfrenta os desafios de sua nova carreira, ela é assombrada por um stalker obcecado e também passa a ser atormentada por alucinações que refletem sua fragilidade emocional. A obsessão retratada no anime pode ser analisada sob a perspectiva psicológica, destacando os perigos da fixação e a degradação da saúde mental resultante. Citando o psicanalista Sigmund Freud, podemos considerar sua afirmação de que “a mente humana é como um iceberg, a maior parte dela está abaixo da superfície”. Isso ilustra como os conflitos e traumas não resolvidos podem se manifestar na psique de uma pessoa.

Mima é confrontada com a rejeição de seus fãs e a pressão para manter uma imagem pública. Isso leva a uma deterioração de sua saúde mental, revelando a vulnerabilidade da mente humana diante da exposição pública e das expectativas sociais. Nesse contexto, a citação de Carl Jung é pertinente: “O que você nega, você sujeita a um destino indomável”. Essa afirmação destaca como a negação de aspectos importantes de si mesmo, como a necessidade de validação externa ou a supressão de emoções autênticas, pode levar a consequências psicológicas negativas, especialmente quando expostos ao mundo da fama.

“A identidade não é algo fixo, mas sim uma construção contínua que pode ser moldada por forças externas”. — Jean-Paul Sartre

Um dos aspectos intrigantes de Perfect Blue é a forma como o filme envolve o espectador em uma trama ambígua. Enquanto acompanhamos a deterioração de Mima, também somos imersos na mente conturbada de Rumi. Essa dualidade na narrativa cria uma atmosfera de confusão e intriga, onde o espectador é constantemente desafiado.

A revelação da verdadeira natureza de Rumi e seu transtorno de personalidades é um momento crucial no desfecho do filme. Essa revelação desfaz a confusão que permeou a história e esclarece os eventos que ocorreram ao longo da trama mostrando que Rumi tem participação ativa nos eventos perturbadores do filme. A jornada de Mima e a condição de Rumi demonstram como as mentes transtornadas e fragmentadas podem se entrelaçar, criando uma teia complexa de ilusões e realidades distorcidas.

Perfect Blue nos convida a refletir sobre a natureza da identidade, a influência da tecnologia em nossa percepção da realidade e os desafios mentais enfrentados diante das pressões externas. Como afirmou o psicólogo Carl Jung “Quem olha para fora, sonha; quem olha para dentro, acorda”. Essa citação ressalta a importância de explorar nossa própria psique e identidade para encontrar um equilíbrio entre o mundo externo e interno.

Em seu desfecho, Perfect Blue deixa o espectador com uma sensação de fascínio e desconcerto.

Referências:
Descartes, R. (1644). Meditações sobre a Filosofia Primeira.
Freud, S. (1915). The Unconscious.
Jung, C. G. (1959). The Archetypes and the Collective Unconscious.

Texto originalmente publicado no Blog Lua in Wonderland

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lua eslava

Escritora, jornalista e contadora de histórias. Sou dona dos blogs Lua in Wonderland e Bruxa do Mar. X @luaesl - Instagram @osversosdalua